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Introdução
A advocacia está vivendo um dos momentos mais transformadores de sua história recente. Se em décadas passadas a informatização trouxe o processo eletrônico e a digitalização de petições, hoje é a inteligência artificial (IA) que assume o papel de protagonista. Mas há uma diferença crucial: enquanto os sistemas anteriores automatizavam tarefas burocráticas, a IA alcança o nível do raciocínio lógico, da produção de linguagem e da análise preditiva. É um salto qualitativo que já impacta tanto escritórios de grande porte quanto advogados autônomos. A pergunta que se impõe é: como navegar nesse universo, aproveitando as ferramentas sem perder de vista o protagonismo humano? Este texto, a primeira parte de uma série, se dedica a percorrer a jornada do básico ao avançado da IA aplicada ao direito, de forma fluida e contínua, sem tópicos numerados, sempre relacionando exemplos práticos e destacando riscos e vantagens.
Primeiro contato com a IA: do mito à prática
Para muitos advogados, o primeiro contato com a IA acontece de maneira quase lúdica: pedir a um sistema como o ChatGPT para redigir uma petição simples ou revisar um contrato. É natural que surjam desconfianças será que a máquina vai substituir o profissional? Será que posso confiar no texto? Essas dúvidas são legítimas, mas a experiência prática logo mostra que a IA não é um substituto, e sim um assistente. Um exemplo básico: ao elaborar uma contestação em matéria trabalhista, você pode solicitar à IA um esqueleto inicial com os artigos aplicáveis e os pontos de defesa mais comuns. Esse rascunho não dispensa a revisão crítica, mas poupa tempo na fase inicial, liberando energia para o que realmente importa a estratégia e a personalização do caso.
Essa visão de “copiloto” precisa ser internalizada desde o início. A IA é como um estagiário extremamente rápido, mas que precisa de instruções claras. Se você pedir apenas “faça uma defesa”, o resultado será genérico. Mas se fornecer contexto qual a matéria, quais os fatos relevantes, qual a jurisprudência regional e qual a tese que deseja sustentar —, o texto virá muito mais próximo da sua necessidade. O poder está no prompt, ou seja, na forma como o advogado se comunica com a máquina. Aprender a formular pedidos claros e contextualizados é o alicerce do uso profissional da IA.
O papel da IA nas pesquisas jurídicas
Uma das áreas em que a IA mais impressiona é na pesquisa de jurisprudência. Em vez de navegar manualmente por repositórios oficiais e filtrar dezenas de acórdãos, você pode orientar a IA a buscar decisões recentes com base em um padrão de teses. Imagine precisar sustentar a aplicação da ADC 58 no âmbito trabalhista: um prompt bem formulado pode retornar, em segundos, precedentes atualizados de Tribunais Regionais e do próprio TST. A diferença está na curadoria: cabe ao advogado verificar a autenticidade e a pertinência das decisões. Mas o tempo gasto cai de horas para minutos. Esse recurso abre espaço para algo inédito: dedicar-se mais ao raciocínio estratégico do que ao garimpo de informações.
Aqui, é preciso ressaltar um cuidado. A IA não é um banco de dados estático; ela gera respostas a partir de padrões linguísticos e, por vezes, pode “alucinar” referências que não existem. A boa prática, portanto, é sempre conferir os acórdãos nos diários oficiais ou sistemas oficiais de jurisprudência. O profissional que entende essa limitação transforma a IA em um radar de possibilidades, e não em fonte única.
O impacto na revisão contratual e na detecção de cláusulas abusivas
Outro campo fértil é o da revisão de contratos. A IA pode ser treinada para identificar cláusulas de risco, como prazos desproporcionais, penalidades excessivas ou ausência de previsões obrigatórias. Imagine um contrato de locação comercial: ao ser analisado por um modelo de IA, ele pode apontar que a cláusula de reajuste está atrelada a um índice extinto, ou que o prazo de aviso prévio é incompatível com o que o STJ já consolidou. Para o advogado, isso representa ganho de escala e profundidade. Em escritórios que lidam com dezenas de contratos por semana, a automação dessa triagem inicial libera a equipe para análises mais sofisticadas, como a avaliação de riscos negociais e estratégicos.
Não se trata, entretanto, de terceirizar a leitura. A IA não substitui o crivo jurídico, que envolve conhecimento de jurisprudência, contexto negocial e sensibilidade ao perfil do cliente. O que ela faz é reduzir a margem de erro humano em tarefas repetitivas e sinalizar pontos de atenção. A decisão final continua sendo humana, e isso deve ficar claro para quem adota a tecnologia: a responsabilidade nunca é da máquina, sempre do profissional que a utiliza.
Do suporte à produção probatória à elaboração de cálculos
A IA também começa a transformar áreas tradicionalmente vistas como técnicas e especializadas, como a perícia contábil e a elaboração de cálculos judiciais. Hoje, já é possível carregar uma planilha de horas extras ou de financiamento bancário e pedir que a IA verifique se os índices aplicados estão corretos, se a fórmula bate com a jurisprudência ou se há amortização negativa. Essa capacidade de leitura cruzada acelera a vida de peritos e advogados, que passam a ter mais confiança nos números que levam ao processo. É uma forma de democratizar o acesso a cálculos complexos, que antes dependiam exclusivamente de especialistas. Mas, novamente, a chave está na revisão: cabe ao profissional validar os achados e transformá-los em argumentos defensáveis.
Imagine, por exemplo, a defesa de um trabalhador em que a empresa apresentou planilha de cálculos com divisor incorreto. A IA pode identificar a inconsistência e quantificar o impacto. O advogado, então, traduz esse dado em narrativa persuasiva, apontando a violação do art. 58, §1º, da CLT e os reflexos nos valores devidos. Essa sinergia entre máquina e humano multiplica a produtividade e a qualidade técnica da advocacia.
Personalização e treinamento da IA
Se no início a IA parece uma ferramenta genérica, em pouco tempo o advogado percebe o valor da personalização. É possível treinar modelos com suas próprias teses, precedentes preferenciais e linguagem típica. Um escritório que atua fortemente em direito bancário pode criar uma base com suas teses de revisão de contratos, decisões favoráveis e estratégias de negociação. Ao alimentar a IA com esse conteúdo, ela passa a responder de forma alinhada à identidade do escritório. Esse treinamento não é um luxo, mas uma estratégia de diferenciação. Escritórios que dominam essa etapa criam verdadeiras “assinaturas” de atuação, impossíveis de serem replicadas por concorrentes que usam apenas IA genérica.
Aqui surgem também desafios éticos e técnicos. Treinar a IA exige cuidado com o sigilo dos dados, sobretudo em casos sensíveis. É preciso escolher ambientes seguros e compreender a política de armazenamento e privacidade de cada ferramenta. Ao mesmo tempo, o treinamento exige clareza metodológica: quais teses serão priorizadas, como se lidará com divergências jurisprudenciais, como evitar vieses. São reflexões que elevam o advogado de mero usuário a verdadeiro arquiteto de soluções de IA.
Da automatização básica à análise preditiva
No nível mais avançado, a IA não se limita a apoiar a redação de textos ou a revisão de cálculos; ela começa a oferecer previsões. É o que se chama de análise preditiva: estimar, com base em grandes volumes de dados, as chances de êxito em determinada tese, o tempo provável de duração de um processo ou o comportamento de determinado tribunal em casos semelhantes. Essa dimensão, embora ainda em amadurecimento no Brasil, já é realidade em países como os Estados Unidos. Para o advogado que atua estrategicamente, essas informações são ouro. Saber que uma tese tem 70% de chances de aceitação em determinado tribunal pode redefinir a forma de conduzir um processo ou negociar um acordo.
Mas é importante entender que predição não é profecia. Nenhuma IA é capaz de garantir o resultado de um processo judicial, que sempre envolve fatores humanos e circunstanciais. A utilidade está em agregar dados objetivos à tomada de decisão, oferecendo mais subsídios para o advogado aconselhar o cliente. A ética recomenda que essas previsões sejam usadas com parcimônia, sempre explicando ao cliente que se trata de estimativas, não de certezas.
Os cuidados indispensáveis
A empolgação com a tecnologia pode levar a exageros. É essencial estabelecer limites claros. Primeiro, nunca delegar integralmente a produção de peças sem revisão crítica. Erros de interpretação ou dados fictícios podem comprometer seriamente a credibilidade profissional. Segundo, compreender a legislação sobre proteção de dados. A LGPD impõe responsabilidades sobre como informações de clientes são compartilhadas com sistemas de IA. Terceiro, cultivar transparência. Sempre que a IA for usada de maneira relevante, é recomendável registrar internamente esse uso e, se necessário, informar o cliente. O objetivo não é esconder a tecnologia, mas mostrar que ela é usada como aliada para aumentar a qualidade e a segurança do serviço.
Um olhar para o futuro próximo
Se hoje a IA já auxilia em pesquisas, cálculos e revisões, em breve veremos integrações mais profundas. É plausível imaginar softwares que conectem diretamente os autos digitais do PJe a sistemas de IA capazes de atualizar cálculos automaticamente, identificar prazos e sugerir estratégias em tempo real. O profissional que começar agora, mesmo em nível básico, terá enorme vantagem competitiva no futuro. A curva de aprendizado é real: quanto antes se domina a linguagem da IA, mais fluido se torna o uso.
Conclusão
O uso da inteligência artificial na advocacia não é modismo; é um movimento irreversível. Mas a forma como cada profissional se posiciona diante dele fará toda a diferença. A IA não elimina o advogado, assim como o processador de texto não eliminou o escritor. Pelo contrário, quem aprende a usá-la ganha velocidade, qualidade e profundidade. A primeira etapa é compreender sua função como copiloto, não como substituto. A segunda é aprender a formular prompts claros, contextualizando cada demanda. A terceira é personalizar, treinando a IA com o DNA do seu escritório. E, finalmente, a etapa avançada é usar a análise preditiva com ética e estratégia.
Estamos diante de uma revolução que se constrói em camadas. Esta primeira parte buscou mostrar a transição do básico ao avançado, sem perder de vista a essência: a IA é ferramenta, não protagonista. O advogado continua sendo a mente crítica, a voz que interpreta a lei e a consciência que decide a melhor estratégia. A IA apenas amplia horizontes, torna o trabalho mais ágil e a prática mais competitiva. O futuro já chegou, e ele é colaborativo: homem e máquina, lado a lado, construindo uma advocacia mais moderna, produtiva e humana.
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